|
Trombetas Tsunami
Guilherme Wisnik
Galeria Virgílio
São Paulo, 2010
Fernando Vilela extrai a sua poética do trânsito entre as várias linguagens plásticas. Mas não encara esse trânsito de modo apenas temático ou metafórico. A evolução do seu trabalho tem mostrado, justamente, que a habilidade para trabalhar separadamente com a xilogravura, a fotografia, a escultura, a ilustração e a pintura pode cavar uma forma híbrida entre elas, desde que feitas as devidas traduções de meios e escalas. Fernando é um artista que desenvolve a sua sensibilidade a partir da gravura, um meio artesanal e delicado, mas tem, ao mesmo tempo, grande fascinação pela brutalidade impura da cena urbana. Nasce daí uma pesquisa plástica ambiciosa, decidida a construir, pedra por pedra, pontes entre o afeto artesanal e a impessoalidade da reprodução mecânica, entre a subjetividade artística e o anonimato da vida urbana, ou ainda, entre os delicados veios da madeira, sugerindo porosidade e profundidade, e o plano chapado e impenetrável da empena-cega.
O artista já havia testado essa passagem construindo grandes gravuras escultóricas dobráveis, como se fossem “livros-bicho” (em referência ao famoso trabalho de Lygia Clark). Nota-se aí um esforço em retirar a gravura da escala doméstica, assimilando a vocação espacial da arte pós-minimalista ao incluir o espaço da galeria e o corpo do espectador no ciclo de significação da obra. Mas se ali a obra era objetual, aqui as grandes xilogravuras saltam surpreendentemente das paredes em vigas de madeira pintadas de preto que invadem o ambiente, nublando a distinção entre plano e espaço. Seu prolongamento tridimensional na sala, as vigas podem também ser vistas como as matrizes das gravuras, pré-existindo a elas.
E como se trata de encontrar uma forma híbrida, Vilela acerta ao fundir as técnicas sobre um suporte único. Captando fotograficamente a presença vertiginosa de enormes massas urbanas (viadutos, pontes, empenas), o artista imprime essas imagens em grande formato sobre papel japonês e grava superfícies negras sobre elas, criando regiões de sobreposição em que a relação entre opacidade e transparência se mostra, paradoxalmente, muito delicada. No conjunto, o olhar que mira a vertigem e a aceleração da cidade através de planos instáveis é abafado por massas escuras porém transparentes, que dão lentidão e profundidade às cenas, espacializando-as no mesmo momento em que retardam o seu movimento. Na dobra simbólica entre gravura e fotografia, uma “terceira margem” da cidade se insinua.
|