Texto Crítico
PALAFÍTICAS
Stela Barbieri e Fernando Vilela
Veronica Stigger
O fascínio de Stela Barbieri e Fernando Vilela pelas palafitas remonta à viagem que o casal fez a Alter do Chão, no Pará, em 2006. Foi lá que eles viram nessas construções, segundo suas próprias palavras, “estruturas vivas que se vestem e se despem de água durante o ano, embaladas pelo movimento da Amazônia aquática com suas cheias e vazantes”. Em contato com a população local, surpreenderam-se também com a mobilidade exigida das pessoas que têm suas casas sobre palafitas: nos períodos de cheia do rio, são obrigadas a sair de seus lares que, mesmo construídos a certa altura das águas, correm o risco de inundação. E essa repetida necessidade de mudança não é algo excepcional: faz parte da rotina. O mundo das palafitas se revelou assim, para Stela e Fernando, um mundo, ao mesmo tempo, em suspenso e em movimento: um mundo vivo.
Nas pinturas, desenhos, colagens, gravuras e objetos apresentados nessa exposição conjunta, as “palafíticas” qualificam as formas desse mundo vivo em que as coisas se alongam e se erguem acima de estacas de pau, como se fossem longas pernas. E essas coisas podem ser habitações, como as palafitas propriamente ditas, ou elementos da natureza, como as montanhas. Tanto em Fernando quanto em Stela, as palafitas restam como traços compridos, finos e negros que, por vezes, se sobrepõem uns aos outros, formando uma trama.
As sobreposições, aliás, são outro aspecto em comum aos trabalhos. Por exemplo, na série de gravuras de Fernando apresentadas em bloco, temos a fotografia se sobrepondo à madeira; a tinta, à fotografia; a imagem, a outra imagem. Nas pinturas de Stela, é comum uma grande massa de tinta colorida se sobrepor às figuras representadas, e seu desenho sobre papel japonês se constitui justamente pela sobreposição de diversas folhas. Tanto num caso quanto no outro, produz-se uma certa opacidade na visão do todo.
Essa opacidade não é apenas estética. No mundo palafítico criado pelo casal de artistas, o ser humano está ausente. Dele, restam apenas suas construções, ou antes as estruturas ou os traços delas, que, em alguns trabalhos, parecem estar em vias de se desfazer. É como se estivéssemos diante de um mundo pós - catástrofe, inundado e deserto. Tudo que restou está suspenso – e em suspensão, talvez à espera do que aqueles que se acham ausentes chamavam de “futuro”. |